Esse é um comentário sobre a situação do Brasil.
Em 2014 começou no país uma onda de protestos populares contra a corrupção que ganhou força com a operação Lava Jato. As ruas das cidades brasileiras – antes território exclusivo de manifestantes violentos, vestidos de vermelho, que depredavam lojas e colocavam fogo em ônibus – foram tomadas pelo verde e amarelo. Brasileiros redescobriram o orgulho de seu país e se reuniram aos milhares para cantar o hino nacional enrolados na bandeira.
Com a eleição de Jair Bolsonaro e a montagem de um ministério que incluía o ex-juiz Sérgio Moro, principal nome da Lava Jato, o Brasil parecia ter iniciado uma nova era. Tornou-se possível acreditar que o país seria libertado das garras do crime, da corrupção e do populismo. Com Paulo Guedes na economia -enfrentando a catástrofe da pandemia ao mesmo tempo em que tomava medidas de redução do Estado – conseguimos, pela primeira vez em muito tempo, acreditar que nossos filhos teriam uma vida melhor que a nossa.
Esse tempo acabou subitamente. O começo do fim pode ter sido a abertura, no início de 2019, do inquérito das “fake news”. A pedra final em cima do sonho pode ter sido os inquéritos de 8 de janeiro. O fato é que o otimismo contagiante se transformou em pessimismo paralisante. Uma das expressões que mais se ouve é “o Brasil acabou”. Essa frase é repetida em conversas entre amigos e em postagens nas redes sociais. Mas nada do que está acontecendo hoje é novidade na história do Brasil. Como nossa memória é curta e o conhecimento do passado é incerto, nossa capacidade de análise é afetada pela indignação que nos domina.
Na verdade, a história do Brasil é uma história de anormalidade. O normal é a exceção; a exceção na história do Brasil são os períodos em que as instituições funcionaram como deveriam. Para constatar isso basta abrir qualquer livro de história. A “Proclamação da República” foi um golpe de Estado. O primeiro presidente, Deodoro, desrespeitou a Constituição, fechou o Congresso enão completou o mandato. Seu vice, Floriano, assumiu o cargo, embora a Constituição determinasse a realização de novas eleições. Floriano reprimiu revoltas com mão de ferro, aplicando punições proibidas pela Constituição.
A história da nossa triste república viu eclodir rebeliões na Marinha – as Revoltas da Armada – e um número incontável de rebeliões no exército: a revolta da vacina em 1904, rebeliões em 1909, a rebelião dos 18 do Forte em 1922 e as revoltas de 1924 que dão origem à coluna Prestes.
Em 1930 Getúlio Vargas dá um golpe de Estado em reação a uma eleição que ele alegou ter sido fraudada. Em 1932 eclode uma revolta armada em São Paulo, com a participação da população, da polícia e das forças armadas: é a Revolução Constitucionalista, uma guerra civil. Em 1937 Getúlio dá um novo golpe e cria o Estado Novo, uma ditadura de inspiração fascista com polícia política e um departamento de censura que reprimia e comprava a mídia.
O uso ilegal e inconstitucional da lei e da força não é exceção na história brasileira; na verdade, essa é a regra.
Não há nada de novo sob o sol.
Getúlio é derrubado em 1945, é sucedido por um general, retorna eleito em 1951 e em 1954 prefere se suicidar a deixar o poder. Passa-se muito tempo e ocorrem muitos outros golpes, revoluções, atentados terroristas e movimentos de guerrilha até que, em 1984, o regime militar, então no poder, resolve se dissolver e entregar o Estado ao controle civil.
Em 1988 uma assembleia constituinte dominada por esquerdistas de vários matizes, misturados com sonhadores ingênuos e defensores de interesses corporativistas cria uma Constituição tão extensa e detalhada que, a partir daí,todos os problemas se tornariam questões constitucionais. Nasce um Estado superpoderoso contra o qual o cidadão não tem recurso, gerenciado por uma elite burocrática não-eleita que se tornaria cada vez mais rica, poderosa e embriagada com o pensamento marxista. Tudo mudou para que tudo continuasse rigorosamente igual.
O jogo que se joga no Brasil de hoje é o mesmo jogo de sempre, com personagens diferentes.
Sobrevivemos antes e sobreviveremos agora – até o dia em que esse jogo possa ser mudado.