Lavouras submersas, animais mortos e incerteza: enchente volta a devastar o interior do RS

Mais de 140 municípios foram atingidos por uma nova cheia no estado. Agricultores relatam perdas irreparáveis, solos inutilizados e apicultura dizimada. "Se não vier financiamento, não volto a plantar", diz produtor.

Pouco mais de um ano após as águas cobrirem cidades inteiras no Rio Grande do Sul, a história se repete — e o impacto no campo volta a ser devastador. A nova enchente já atingiu mais de 140 municípios, com 25 cidades em situação de emergência e Jaguari decretando estado de calamidade pública. Mais de 7 mil pessoas estão desabrigadas, e os prejuízos no setor agropecuário se acumulam com relatos dramáticos de perdas totais.

Em Candelária, o produtor Fabiano André Kappaun viu sua propriedade rural ficar completamente ilhada. Apesar de já ter colhido soja e arroz, ele calcula que precisará de R$ 100 mil apenas para recuperar o solo, que foi destruído pela força da água. Sem esse recurso, admite que talvez não consiga mais plantar. O drama se estende ao irmão, que perdeu 10 cabeças de gado levadas pela correnteza — os corpos dos animais sequer puderam ser recuperados.

“O ano passado foi pior, mas ainda tem prejuízo de 2024 para consertar. Agora perdemos tudo de novo”, relata Fabiano, sem esconder o desânimo.

Em Rio Pardo, a situação também é crítica. O pecuarista Jardel Luis Eisenhardt, de 40 anos, conseguiu salvar o rebanho, mas perdeu 80% das pastagens em seus 45 hectares. Agora, terá que alimentar os animais com ração — um custo não previsto que, somado à recuperação do solo, pode ultrapassar R$ 150 mil. “A gente se prepara para uma coisa e acontece outra. Estamos em uma situação bem crítica”, resume.

A agricultora Daniela Fernanda Hermes, de 28 anos, também de Rio Pardo, perdeu praticamente tudo: hortaliças, frutas e peixes. O açude da propriedade rompeu e a criação de 200 kg de tilápias e carpas, voltada para comercialização na Sexta-Feira Santa, foi destruída. Recomeçar significa contratar uma máquina que custa mais de R$ 400 por hora e precisa de pelo menos 10 horas de serviço, sem contar o deslocamento.

Até as colmeias foram arrastadas pela enchente. Em Unistalda, o apicultor João Maciel Lunardi Cogo, de 41 anos, perdeu 187 colmeias — prejuízo estimado em R$ 60 mil. Além das abelhas, ele perdeu equipamentos e estruturas de manejo. Com cerca de 1.500 colmeias espalhadas por outras cidades, Cogo alerta: a recuperação deve levar entre 2 a 3 anos até que o ritmo normal de produção volte.

A recorrência das enchentes acende um alerta urgente sobre o impacto das mudanças climáticas no campo. Sem apoio técnico e financeiro imediato, milhares de produtores podem abandonar a produção, agravando não só a situação econômica do estado, mas também a segurança alimentar do país.