O seguro rural, ferramenta essencial para a proteção da atividade agrícola frente a eventos climáticos cada vez mais frequentes, ainda é uma realidade distante para a maioria dos produtores brasileiros. Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), apenas 14% da área cultivada no país está coberta por apólices. Em um setor que representa quase 30% do PIB nacional, esse índice revela um gargalo crítico na segurança da produção agropecuária.
Para a especialista em seguro rural Julia Guerra, diretora comercial da Picsel, o problema não está apenas no baixo alcance, mas na desconexão entre os produtos oferecidos e as reais necessidades do campo. “As apólices ainda são muito padronizadas, ignorando diferenças regionais, variações climáticas e técnicas de manejo específicas de cada local. Isso compromete a eficácia do seguro e afeta diretamente a confiança dos produtores”, afirma.
Dados da ESALQ/USP apontam que apenas 30% dos agricultores segurados se dizem satisfeitos com os contratos firmados. Para Guerra, a insatisfação é reflexo de um modelo que precisa de uma reestruturação profunda, tanto técnica quanto regulatória.
Regulação e subvenção travam o avanço
Além da padronização, o ambiente regulatório atual também é apontado como um freio à inovação. Normas como a Circular 621 da Susep limitam a criação de apólices personalizadas, impedindo o avanço de soluções modernas como seguros paramétricos e o uso de monitoramento remoto com inteligência artificial. “Com a rigidez das regras atuais, o Brasil se torna um território hostil para o desenvolvimento de seguros inovadores”, destaca a especialista.
Outro fator que limita o crescimento do seguro rural é a falta de recursos públicos para a subvenção. O Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), que ajuda produtores a custearem os seguros, teve orçamento de R$ 1,5 bilhão em 2024, embora a demanda do setor tenha superado R$ 3 bilhões. Para 2025, a previsão caiu para R$ 1,06 bilhão, valor considerado insuficiente.
A distribuição das apólices também é concentrada: majoritariamente nas regiões Sul e Centro-Oeste, e focada em lavouras de soja, milho e trigo. Setores como pecuária, frutas e culturas permanentes seguem praticamente sem cobertura.
Transformar o seguro rural em política de Estado
Para Julia Guerra, o futuro do seguro rural depende de um esforço conjunto entre governo, iniciativa privada e setor produtivo. “É urgente transformar o seguro em uma política de Estado, com orçamento estável, incentivos fiscais e uma visão de longo prazo”, defende.
Ela ressalta ainda o papel estratégico de tecnologias como blockchain, sensoriamento remoto e IA no combate a fraudes, agilidade nas indenizações e maior transparência para seguradoras e produtores.
Diante de um cenário cada vez mais impactado pelas mudanças climáticas, ampliar a cobertura e a eficiência do seguro rural não é apenas uma necessidade econômica — é uma medida essencial para garantir a segurança alimentar global e a resiliência do agro brasileiro.