27/09/2025 02:37

Sempre O Mesmo Jogo

O fato de você se dar conta, pela primeira vez, que está passando por uma determinada experiência negativa não significa que é a primeira vez que você passa por essa experiência. Pode ser que você já tenha passado antes, mas sem ter consciência disso.
Roberto Motta, engenheiro, gestor, consultor do Banco Mundial, referência em segurança pública e autor de 4 livros essenciais para entender o Brasil real, agora é o nosso novo colunista!

Esse é um comentário sobre a situação do Brasil. 

Em 2014 começou no país uma onda de protestos populares contra a corrupção que ganhou força com a operação Lava Jato. As ruas das cidades brasileiras – antes território exclusivo de manifestantes violentos, vestidos de vermelho, que depredavam lojas e colocavam fogo em ônibus – foram tomadas pelo verde e amarelo. Brasileiros redescobriram o orgulho de seu país e se reuniram aos milhares para cantar o hino nacional enrolados na bandeira.

Com a eleição de Jair Bolsonaro e a montagem de um ministério que incluía o ex-juiz Sérgio Moro, principal nome da Lava Jato, o Brasil parecia ter iniciado uma nova era. Tornou-se possível acreditar que o país seria libertado das garras do crime, da corrupção e do populismo. Com Paulo Guedes na economia -enfrentando a catástrofe da pandemia ao mesmo tempo em que tomava medidas de redução do Estado – conseguimos, pela primeira vez em muito tempo, acreditar que nossos filhos teriam uma vida melhor que a nossa.

Esse tempo acabou subitamente. O começo do fim pode ter sido a abertura, no início de 2019, do inquérito das “fake news”. A pedra final em cima do sonho pode ter sido os inquéritos de 8 de janeiro. O fato é que o otimismo contagiante se transformou em pessimismo paralisante. Uma das expressões que mais se ouve é “o Brasil acabou”. Essa frase é repetida em conversas entre amigos e em postagens nas redes sociais. Mas nada do que está acontecendo hoje é novidade na história do Brasil. Como nossa memória é curta e o conhecimento do passado é incerto, nossa capacidade de análise é afetada pela indignação que nos domina.

Na verdade, a história do Brasil é uma história de anormalidade. O normal é a exceção; a exceção na história do Brasil são os períodos em que as instituições funcionaram como deveriam. Para constatar isso basta abrir qualquer livro de história. A “Proclamação da República” foi um golpe de Estado. O primeiro presidente, Deodoro, desrespeitou a Constituição, fechou o Congresso enão completou o mandato. Seu vice, Floriano, assumiu o cargo, embora a Constituição determinasse a realização de novas eleições. Floriano reprimiu revoltas com mão de ferro, aplicando punições proibidas pela Constituição.

A história da nossa triste república viu eclodir rebeliões na Marinha – as Revoltas da Armada – e um número incontável de rebeliões no exército: a revolta da vacina em 1904, rebeliões em 1909, a rebelião dos 18 do Forte em 1922 e as revoltas de 1924 que dão origem à coluna Prestes.

Em 1930 Getúlio Vargas dá um golpe de Estado em reação a uma eleição que ele alegou ter sido fraudada. Em 1932 eclode uma revolta armada em São Paulo, com a participação da população, da polícia e das forças armadas: é a Revolução Constitucionalista, uma guerra civil. Em 1937 Getúlio dá um novo golpe e cria o Estado Novo, uma ditadura de inspiração fascista com polícia política e um departamento de censura que reprimia e comprava a mídia.

O uso ilegal e inconstitucional da lei e da força não é exceção na história brasileira; na verdade, essa é a regra. 

Não há nada de novo sob o sol.

Getúlio é derrubado em 1945, é sucedido por um general, retorna eleito em 1951 e em 1954 prefere se suicidar a deixar o poder. Passa-se muito tempo e ocorrem muitos outros golpes, revoluções, atentados terroristas e movimentos de guerrilha até que, em 1984, o regime militar, então no poder, resolve se dissolver e entregar o Estado ao controle civil.

Em 1988 uma assembleia constituinte dominada por esquerdistas de vários matizes, misturados com sonhadores ingênuos e defensores de interesses corporativistas cria uma Constituição tão extensa e detalhada que, a partir daí,todos os problemas se tornariam questões constitucionais. Nasce um Estado superpoderoso contra o qual o cidadão não tem recurso, gerenciado por uma elite burocrática não-eleita que se tornaria cada vez mais rica, poderosa e embriagada com o pensamento marxista. Tudo mudou para que tudo continuasse rigorosamente igual.

O jogo que se joga no Brasil de hoje é o mesmo jogo de sempre, com personagens diferentes. 

Sobrevivemos antes e sobreviveremos agora – até o dia em que esse jogo possa ser mudado.